Sou tua,
Amor que perdura
Na imensidão crepuscular da vida.
D'alma perdida,
Num amanhecer desperto,
Cinzento e prospecto...
Emoções acumuladas
Numa nuvem indisposta,
Niquenta e predisposta
A choramingar de triste alegria.
Sou tua
Na noite dura
De intenso desejo,
Propenso beijo,
P' lo ar enviado,
P' lo vento transportado,
N'alma guardado;
Gravado como mensagem não lida,
Não urgente mas sentida.
Amo-te
E sou tua
No universo da tarde escura
Noite iluminada, madrugada de luz
Do teu calor sem fim
Intenso, veemente, ardente frenesim.
Sonho acordado,
Desejo de um beijo,
Do teu amor por mim.
Sou tua
E quero-te para mim
Pois serei tua
Na eternidade, na alvura
Nas cinzas do meu corpo
No túmulo, no céu conquistado
E teu coração derrubado
Minha humilde beleza, solidão carmim,
Sorriso doce de suave cetim.
Sou tua
E meu não és
O vazio amadurece
Esperança perdida,
Confiança esquecida,
Louca mente de revés.
E quando a noite adormecer
E o amanhã despertar
Sou tua toda a vida
Distante mas sentida
Pois não te tenho
Mas a mim terás
Sonho ilusório de esperança capaz
De não perder o que sempre terás
Pois sou apenas...tua.
Cai a chuva
Sopra o vento
É grande o meu descontentamento!
Por um dia parnacento,
Incolor e alvacento
Iluminado por trovões,
Relampagos, raios de torpor
Está caindo a chuva
Em todo o seu esplendor.
Dia triste, noite em água
Nem desespero nem mágoa se comparam a tal raiva
Invólucro de belzebu
Revolta de Deus na Omnipotência de um poder maior
Cai a chuva
Pesada e molhada
E o vento baila na rua
Convidando as folhas à dança sem melodia
Feliz está o tempo
Num dia de melancolia.
As ruas vazias
Crianças à janela...
E a chuva lá fora continua a desfilar, alegre
Cai a chuva, abraçando meu cabelo
Cada gota é um toque
As tuas mãos percorrem meu corpo
E sinto com prazer este dia
Num instante de felicidade espontânea
Cai a chuva
Sopra o vento
A noite passa
O dia acorda
Com um toque de magia
Num alegre frenesim
Os pássaros cantam, brilha o sol,
No ar o doce encanto do aroma a jasmim
No céu azul a doce mistura das cores do elegante arco-iris
Meio-dia. O sol resplandece fortemente os seus raios. A praça, apinhada de gente, nao convidava a um passeio, tão difícil se tornava o andamento por ali. Pombos esvoaçavam, para aterrar em algum local onde se encontrasse comida.
E, com efeito, a um determinado canto, um grupo de pombos se podia encontrar, pois recebiam comida de alguém... Era um mendigo que ali se situava, e que tal como na sua condição de desejo de ser ajudado, ajudava aqueles bichos que por todo o lado procuravam algo para matar a fome. Era um indivíduo já idoso, de mísero aspecto...muito sujo, roupas esfarrapadas, barba grande e negra como as barbas de carvoeiro. Devia ter sido um belo homem anteriormente ao seu estado actual. Cortava pacientemente pedaços de pão e oferecia-os aos pombos que o rodeavam. Parecia ter extremo prazer em oferecer comida àquelas pequenas criaturas e pensei "que prazer não teria se lhe matassem a fome"...
Aproximei-me. Muita gente passava, indiferente àquele homem, que ansiava por um prato de sopa. Perguntei-lhe como se chamava. Ele olhou-me; olhos tristes e ao mesmo tempo belos o caracterizaram. Fui com ele até um café humilde onde saciou a fome, como se de um refugiado se tratasse. A verdade é que em tempos tinha sido um soldado. Era um ex-combatente que não tinha concretizados seus desejos. Ainda não recebera o dinheiro que há muito lhe deviam pelos serviços prestados à pátria e não tivera ao longo da sua vida um emprego que lhe garantisse boa reforma; a família não o ajudava...entregara-se ao alcool e as ruas passaram a ser a sua companhia.
Durante duas horas conversámos; aprendi muito com as suas palavras... e depois, de cara melancólica e enrugada, o mendigo lá voltou para a sua triste e solitária vida, desejando-me sorte, mais sorte que a que tivera...
Nunca mais o vi mas ali encontrei um exemplo do que hoje se pode ter tudo e amanha se pode não ter nada.
Somos cegos...cegos quando não vemos a beleza do mundo; cegos quando não vemos a sua fealdade; quando não vemos a alegria, quando não vemos a tristeza que à nossa volta reside...
Somos cegos...mais cegos que os proprios invisuais que vêem a alma puritana dos mais fracos -e dos menos fracos- acabamos por ser mais fracos que os proprios cegos...que vêem sem olhos de visao ocular mas com os olhos da alma pura e que a condiçao lhes permitiu. sao cegos que veem a realidade; que acreditam no surreal e nao no inteligivel; cegos com olhos de ver...nao com olhos de ilusao que em tudo nos fazem acreditar, rendendo-nos à estupida, ingenua e incoerente visao de um mundo fantasista, longe da realidade do presente.
Porque nao queremos ver, porque nao queremos reflectir, porque passamos na rua pela triste miseria existente num mundo de principios materialmente logicos, espiritualmente mediocres, sem preocupaçao para com o proximo, que de nos precisa e nao lhe damos a mao...
Somos cegos...porque damos ao que nao precisa aquilo que a outro deviamos dar...porque não pensamos k mais tarde podemos ser nos; porque a realidade é uma constante da vida...parem de sonhar, meus senhores e acordem para um mundo que desaba horas sem fio, que precisa de cada um de nos para voltar a ser...o mundo.
Fim de tarde. Tempo frio e escuro...as nuvens cobrem a cidade, prometendo água caída dos céus. Adivinhava-se uma desagradável noite.
Apanho o autocarro. O veículo desliza com alguma velocidade pelas ruas e avenidas da capital. As luzes dos candeeiros públicos já acesas, o trânsito acumulando-se, num sem número de pessoas de regresso a casa num incansável desejo de retorno ao lar.
O autocarro continua o seu trajecto um pouco mais rapidamente na sua faixa. Passamos por uma paragem onde, no canto da mesma, um jovem casal de namorados saciava a sede de um doce beijo. Ao vê-los algo senti que não pude controlar...um desejo veemente de ti, dos teus lábios a seduzirem os meus, a tua boca desejando a minha, os teus braços envolvendo o meu corpo tremente, as tuas mãos percorrendo as minhas costas, num abraço de desejo mútuo de amor e prazer...e o calor do teu corpo invadir o meu, protegendo-o do ar frio daquele fim de tarde nostálgico.
Chego a casa e sinto o calor, o conforto...mas não o que desejara na rua...do teu abraço meigo, quente e singelo; os teus braços enlançando-me com ternura, as tuas mãos massajando, o teu corpo envolvendo o meu corpo frio...
E apenas me resta o desejo...o desejo de alguém...o desejo de ti.
Entro em casa, dispo o casaco, descalço as botas...mais um dia que passou. O inverno está lá fora e eu no aconchego...sem ti.
Roupão vestido, café quente na chávena; a chuva cai lá fora...olho a televisão mas não vejo nada, nada ouço, pois nada faz sentido...sem ti.
Todos os dias, todas as horas passam, monótonas, sem sabor...
Chega outro tempo, uma nova estação...Os dias mais alegres, mais belos, sem o amargo cinzento do inverno. As ruas mais luzidias, banhadas pelo sol risonho e brilhante; as crianças contentes, divertindo-se nas suas brincadeiras habituais...e eu regresso a casa, de cabeça baixa, sempre triste, a tentar imaginar um retorno feliz; abrir a porta e cair nos teus braços, deixar-me relaxar do dia fatigante, tranquilizar pelas tuas mãos quentes e meigas...
Mas os dias continuam, tristes...como eu, triste...sem ti.
. Sou tua
. Chuva
. ...
. Meu anjo
. Sou tua
. ...
. Meu anjo
. ...
. ...
. ...